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23 de Abril de 2024

Desrespeitar as medidas de prevenção à propagação do novo coronavírus determinadas pelo poder público é crime e pode dar prisão?

há 4 anos

Desde que o novo coronavírus chegou ao Brasil, foram publicados inúmeros atos normativos do poder público estabelecendo medidas de prevenção ao seu contágio e propagação. Porém, muitas dessas medidas estão sendo fortemente questionadas, sobretudo, aquelas que determinam proibição de ajuntamento de pessoas e a sua locomoção em vias públicas, o que limita o amplo e precioso direito de ir e vir de cada pessoa, já somente estão sendo "permitidas" práticas de atividades consideradas essenciais à sobrevivência, como ir ao mercado, à farmácia, ao médico e etc.

Diante disso, em meio a fatos e fakes, a pergunta que não quer calar é:

"se eu desrespeitar essas medidas de prevenção impostas pelo poder público, pratico algum crime e posso ir para a prisão?"

Para começar é preciso ficar claro que, no Brasil, a única prisão por ilícito civil que existe é por dívida de alimentos (pensão alimentícia). Portanto, qualquer outra prisão que uma pessoa sofra, que não seja por dívida de alimentos, certamente será pelo, cometimento de alguma infração penal (crime), que pode ser reclusão ou detenção.

Assim, no capítulo III, dos crimes contra a saúde pública, no Código Penal Brasileiro, encontra-se o Art. 268, que estabelece o crime de infração de medida sanitária preventiva, cuja redação é:

Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:

Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.

Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.

Conforme se pode ver, infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, constitui crime. Mas há algumas observações importantes a serem feitas sobre este crime. O Art. 268 CP se refere a infringir determinação do poder público, ou seja, a determinação a ser infringida para a caracterização do crime deve estar inscrita em outra norma legal e não precisa ser necessariamente lei, pode ser decreto, resolução, portaria e etc., desde que emanada legalmente do poder público. Um exemplo disso é a Lei 13.979/2020 que entrou em vigor 6 de fevereiro de 2020, a qual dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

Dito isto, citemos, a título de exemplo, a redação do Art. 3º desta Lei, com a alteração trazida pela Medida Provisória nº 926, de 2020):

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas:

I - isolamento; II - quarentena; III - determinação de realização compulsória de:

a) exames médicos; b) testes laboratoriais; c) coleta de amostras clínicas; d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou e) tratamentos médicos específicos;

O Art. 3º da Lei citada elenca uma série de medidas que as autoridades podem tomar, afim de conter os avanços do novo coronavírus, dentre as quais estão isolamento, quarentena e outras determinações compulsórias. No entanto, para que se configure o crime do Art. 268 CP, não basta que o cidadão infrinja mera orientação ou recomendação do poder público, mas que a norma infringida seja determinação, ou seja, ordem expressa ou obrigação imposta. Isso quer dizer que não é suficiente que o poder público faça apelos ou sugira uma ou mais medidas de prevenção, mas tal medida, repito, deve ter um viés de ordem, mandamento, obrigatoriedade, para que a sua infringência se configure crime.

 Outro ponto que também deve ser observado, é a existência de dolo na conduta daquele que infringe a determinação imposta pelo poder público, isto é, a vontade clara e manifesta de produzir o resultado, qual seja, infringir a norma ou pelo menos assumir o risco de infringi-la, posto que este crime não existe na modalidade culposa, ou seja, não é suficiente para ser crime a mera inobservância ao dever de cuidado, por imprudência negligência ou imperícia.

O crime desobediência do Art. 330 do Código Penal

 Neste mesmo sentido, outra norma penal que vem sendo muito debatida neste momento é a do Art. 330 do Código Penal, que introduz o crime de desobediência, o qual tem a seguinte redação:

Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

Aqui, o que está em jogo é a credibilidade do comando emanado da administração pública, o poder de mando do Estado, por intermédio do funcionário público e, de outro lado, a sujeição a esse mando por parte do cidadão que o recebe. Geralmente, o funcionário público nestes casos de prevenção à propagação do novo coronavírus se confunde com um guarda ou com um policial, há muitas outras categorias que se configuram como funcionário públicos, mas estes são os que efetivamente estão pelas ruas controlando e restringindo a circulação de pessoas.

Isto posto, é importante frisar que o crime em questão não é configurado à mera desobediência de qualquer ordem, pois a ordem a que não se deve desobedecer de um funcionário público, que é passível do crime de desobediência, deve ser uma ordem legal. Isso quer dizer que o funcionário público deverá estar no exercício legal de suas funções e que a ordem que dele emane deve estar prevista em norma legal, e, ainda, deve visar, exclusivamente, o interesse público, não pode ser uma ordem arbitrária fundada na sua própria vontade.

 A título de exemplos, suponhamos o caso de um funcionário público (geralmente, guarda ou policial), com intuito de proteger a coletividade, ordene direta, expressa e inequivocamente que determinadas pessoas não circulem pela cidade, por que há risco real e iminente de contaminação pelo coronavírus ou de sua propagação e essas pessoas, de modo injustificado, lhe desobedeçam a ordem. Nesse caso, pode haver a configuração do crime de desobediência do Art. 330 do Código Penal.

 E quanto à prisão? a resposta é : dificilmente alguém irá para a prisão somente pela prática desses delitos. No entanto, isso não quer dizer que a pessoa que os pratica fica isenta de responder à justiça. O que acontece, então?

 Ocorre que por se tratarem de crimes de menor potencial ofensivo, isto é, cuja pena máxima não ultrapassa dois anos, na prática, o cidadão é conduzido à delegacia de polícia, assina um termo circunstanciado e posteriormente é intimado para comparecer com advogado ou defensor público a uma audiência no JECRIM, (Juizado Especial Criminal), onde lhe será dada a oportunidade de fazer uma transação penal, ou seja, pagar cestas básicas ou prestar serviços comunitários, para que o caso seja arquivado e não fique com a "ficha suja". Entretanto, caso não aceite a proposta, o processo seguirá, havendo outros desdobramentos.

 Diante disso, podemos afirmar que desrespeitar as medidas de prevenção impostas pelo poder público que visam evitar a contaminação pelo novo coronavírus e sua propagação pode, sim, configurar crimes. No entanto, as possibilidades de que desses crimes resultem prisão, são muito remotas, tendo em vista suas penas não ultrapassarem dois anos. Mas ainda, assim, haverá a responsabilização criminal pela prática de crime de menor potencial ofensivo julgado e processado pelo Juizado Especial Criminal.

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